AINDA OUTUBRO

Compartilhe:

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

No último final de semana escrevi sobre o  mês que  então caminhava para o fim,  falando da renovação das flores que a primavera proporciona como se reinventasse a vida, apaixonando corações, aproximando espíritos e corpos em magia que o amor muitas vezes explica, época de entrega da beleza, da formosura dos sonhos, fazendo brotar a delicadeza dos que se deixam sensibilizar por rosas, jasmins, girassóis, tulipas, margaridas e tantas que encantam e perfumam, tempo mais suave para os que sabem amar.

É o mês em que acontece, no vizinho estado do Pará, como destaquei, a maior demonstração de fé a que já assisti, de que participei, em verdade, experimentando emoção  que não consigo definir, e que só explico pelo contágio de crença que envolve fiéis contados aos milhões, de muitos lugares do mundo, encontro de raças, de sonhos, de desejos e sobretudo de esperanças. A pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré, encontrada por um pescador nos idos do século XIX, é acompanhada por pés descalços e mãos que chegam a sangrar com a força para permanecer segurando a corda dos milagres e a magia que a todos envolve e domina faz do Círio a maior procissão católica do país.

Também é o mês da santa padroeira do Brasil, com romarias  que lotam Aparecida do Norte e que para o Vale do Paraíba Paulista se deslocam de todos os cantos do planeta para celebrar a confiança em um mundo de paz, de amor e de luz. Ali não há ricos ou pobres, brancos, pretos ou mestiços, doutores ou analfabetos, e todos se igualam na honrosa condição de pedintes de bençãos da Mãe em quem creem.

No mesmo 12, outubro comporta festejos em homenagem às crianças, quando também, rigorosamente, todos deveriam considerar iguais as dos shoppings centers luxuosos e as que, nas sinaleiras, são exemplos incontestes do abandono, da falta de perspectivas, muitas vezes abusadas e até iludidas em sua inocência natural.

A 18, a homenagem é aos que honram juramento prestado a Hipócrates e por isso dedicam suas vidas, do raiar ao  por do sol, invadindo noites, “desvirginando madrugadas”, a diminuir dores, compreender e tratar aflições, entregando a ciência que  dominam à busca da cura de enfermidades humanas, muitas conhecidas, outras até surpreendentes, endêmicas ou não, até epidêmicas como a que mudou os caminhos do mundo no início desta década, crendo no que sabem e no  que  aprendem, fazendo e aplicando ciência, construindo conhecimento e, sempre, submetendo-se a vontade superior que não conseguem dominar.

Os homens e as mulheres de branco, como já foram conhecidos, já nem usam sempre o alvor das vestes, mas é certo que o azul da roupa, mais claro ou mais escuro, não os afasta da angelitude, quem sabe até porque se trajam com azul celeste. Sua doação a quem nem sempre conhecem é obra de amor verdadeiro, como acompanhei em Ana Maria, a médica que vi criança e que assisti tratar de tantas crianças  com a pediatria que aprendeu na escola e no hospital e com o amor com que a vocação lhe ornou o coração e o espírito. É o que vejo em Cristina Garrido e em Theodomiro  Garrido, mestres do olhar os olhos humanos, tal como faz o professor de ambos Remo Susanna Júnior, respeitado mundo afora e que os orientou na Universidade de São Paulo. É como reverencio Aristóteles Alencar, cuidador dos corações que amam e até dos que nem mais conhecem esse sentimento, Raimundo Telles, homeopata de todos nós, e  Euler Ribeiro, que abandonou o sucesso na política para entregar-se a cuidar do envelhecimento saudável das pessoas. É também como abraço, daqui, João Braga Neto, que tanto honra a todos nós, e Luís Henrique, noivo de minha neta Maria Fernanda, que ontem concluiu os créditos do curso de graduação em medicina, que está a submeter-se aos exames necessários para cumprir residência médica e que, enquanto isso, já conta em centenas as pessoas que atendeu nos postos públicos de saúde deste canto do mundo. É prova viva de que esse amor pela vida não se extingue e se renova sempre.

É também como me curvo à doação e à crença dos que se entregam a plantar o bem junto a populações desassistidas, como   em alguns lugares da mãe-África, e aos que, honrando o que juraram, são médicos do sangue e da desgraça que a guerra, a mais recente e a anterior, sabe fazer.

Neste instante, por certo, enquanto há suturas sendo feitas sob o tato humano e a luz divina, curativos que, se não capazes de estancar hemorragias, são mostras de carinho quase sobrenatural, há explosões que se repetem, que assustam, que matam, que sufocam e que servem para demonstrar a estupidez inumana.

Médicos são anjos, qualquer que seja a cor de suas vestes, invocados na hora da dor.

Outubro é, também, o mês em que se comemora o aniversário de Manaus, casa dos Manaós de que tanto já falaram Arthur Reis, Robério Braga, Mário Ypiranga, Genesino Braga, nascida ali em São Vicente, longe, bem longe, da agressão a que tem sido submetida nos tempos de outubro de agora, impregnada pela incompetência talvez dos que hoje proclamam que a fumaça que nos invade o peito, sem glória qualquer, vem do vizinho Pará, mesmo que haja queimadas em vários e tantos municípios que àquele Estado nem pertencem. Basta atravessar a ponte sobre o  rio Negro para conferir o que se dá em Iranduba, Manacapuru ou Novo Ayrão. Ou no também vizinho Presidente Figueiredo, de belas corredeiras e cachoeiras agora escondidas pela seca cruel que a todos nos castiga e por nuvens dessa fumaça maldita que nos adoece.

Com humildade e respeito, digo aos que mentem, por desrespeito, descuido ou exagerado pedantismo, que bem poderíamos importar coisas melhores do Grão a que já pertencemos, inclusive a verdade.

De Manaus falarei com a próxima palavra.

Compartilhe:
Redação
Redação
Artigos: 6538