Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
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A essência da palavra destas linhas é de respeito à mulher que, em qualquer canto do Rio Grande do Sul, enfrenta há dezena de dias a dor do medo, a angústia da proximidade do fim para filhos que, com alegria única, terá recebido um dia para cumprir, neste plano da vida, a sagrada missão de ser mãe.
Não há Ciência, penso, capaz de descrever com exatidão o que possa ter sido surpreender-se com águas volumosas descidas de nuvens escuras, pesadas, cheias, que se misturaram com águas de quietos rios e mansas lagoas, transbordando-os e formando cascatas destruidoras que, em correntezas incontidas, fortes e indomáveis, puseram-se a abater pessoas, animais, árvores, casas, prédios, carros, ruas, afogando de forma traiçoeira sonhos e esperanças e até desdenhando da crença no depois.
Não terá havido dia por dias seguidos, escuro o tempo pelas nuvens que agrediram, fazendo parecer noite todas as horas, desde a madrugada até a outra que punha fim ao que deveria ter sido tempo de trabalho, de estudo, de convivência feliz, plantado o horror, a morte, a desilusão, a luta para não ir, o desespero de ver perdidos o muito e o pouco amealhado com o produto do trabalho honesto por tanto tempo para garantir vida melhor.
Móveis, eletrodomésticos, veículos, telhados, portas, paredes, jardins, árvores, tudo a água de força incomum levou para formar lodo e lama quando o sol retornar e o solo, duramente castigado, terra arrasada, puder afinal mostrar-se a olhos certamente incrédulos e a corações incrivelmente sofridos.
Em colos arfantes de desespero, crianças protegidas por amor inigualável de mulheres que, como se dá com todas as que recebem a graça de ser mãe, seriam capazes de abrir mão do direito de viver fosse esse o preço de salvar filhos que precisavam permanecer.
São essas mulheres, sobreviventes ao castigo das chuvas e da correnteza dos rios, integrantes dos quase 500 mil hoje habitantes de abrigos e dependentes da caridade alheia, que irão viver neste domingo talvez o mais importante Dia das Mães de suas vidas, porque se não há casa para onde retornar, carro para voltar a dirigir ou usar, móveis e utensílios de vida confortável, haverá em seus corações, por certo, duas verdades: a força do amor supremo, renovada pela dor e pelo desespero, e a consciência de que mais uma vez a bondade divina lhes terá permitido a glória de ter o abraço de filhos que delas nasceram, do ventre ou mesmo do coração.
Jamais se viu igual no extremo sul do país e a velocidade da comunicação moderna nos há permitido assistir à exasperação pelo terror, o horror do abraço da morte, com cinco membros de uma mesma família encontrados sem vida em gesto que há de ter sido a um tempo de proteção e de carinho no instante final. Afogaram-se juntos, a julgar pela forma de como foram achados, unidos pela covardia de uma força destruidora que não conseguiram domar.
Em meio ao caos, renova-se e resplandece a solidariedade humana e brasileiros de quase todos os lugares acorreram para proporcionar, e até ajudar, o salvamento de crianças e de idosos, de mulheres e de homens de todas as idades, subidos nos telhados de suas casas submersas, presos a galhos de árvores, sustentando-se dias seguidos por força física que só a fé e o amor à vida são capazes de explicar, lutando bravamente contra a força das águas ou resistindo ao perigo de permanecer em casas ameaçadas de desmoronamento por força nova de enxurradas que não param de formar-se. Assim também com milhares de animais, desde o gatinho ou o cãozinho de estimação até o bravo cavalo que se manteve imponente em tríduo de exibição de força e resistência até que a ele chegassem profissionais que, com habilidade única, o recolheram em um bote dos muitos ainda em uso para o transporte dos humanos salvos e que não foram submetidos, como outros, à estupidez burocrática da incrível exigência de exibição de habilitação para dirigi-los, a mesma que terá impedido a continuação da viagem de caminhões e carretas carregados de mantimentos, água e outras doações porque ultrapassado o peso regulamentar.
Não são poucos os que se renovam na árdua tarefa de busca da vida, enlameados, pés mergulhados no lodo, em gestos de entrega verdadeira, distantes dos holofotes que alguns costumam disputar em situações análogas, mantendo-se desconhecidos, anônimos, como se dá com bombeiros, médicos, enfermeiros, auxiliares e assistentes de enfermagem, voluntários da Cruz Vermelha, psicólogos e tantos cujos nomes e os semblantes serão guardados no íntimo de cada um dos que os tiveram como heróis e heroínas da força do carinho e do amor.
Em meio à dor, sobreleva a fé!
No domingo da festa, suas mães, estejam neste ou em qualquer outro plano da vida, deles se podem orgulhar, como filhos, recebendo como presente, ainda que com o beijo à distância, a demonstração do quanto lhes ensinaram. Se mães, de farda, jaleco ou roupa comum, podem convencer-se de que seus filhos delas são orgulhosos pela abnegação que estão a demonstrar a quantos queiram ver.
A essas mulheres todas que se encontram no “front” da batalha que foi inglória para quase duas centenas de pessoas que sucumbiram, a palavra, neste Dia das Mães, tem som e valor igual: meu respeito pelo quanto se doam ao Bem.
Eis o que estendo, em gesto de amor, a Raquel, que fiz mãe, e a Juliana, filha, que tanto me têm ensinado pela valentia e coragem de enfrentar a vida.
E se de respeito e de amor cuido, dou-me em lágrimas a festejar o espírito de Sebastiana, professora de todos os tempos de minha vida, desde os passos primeiros, guerreira que jamais fugiu a tempestades e que soube proteger os filhos que lhe foram entregues, arrostando os perigos de tempos de dificuldades e fazendo de carinho extremado o berço da segurança. Jamais um gesto de medo e as palavras todas foram sempre de encorajamento e de crença. O que plantou já se estende por gerações e o que há de recolher de mim neste domingo, banhado de saudade que não termina, que só se renova, é o beijo do amor verdadeiro em forma de prece a Deus por seu permanente crescimento espiritual.
Feliz Dia das Mães!