Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
lourencodossantospereirabraga@hotmail.com
Ao início da noite de quinta-feira última, tive o privilégio de ser chamado por Robério, o irmão mais novo, para ouvir ao telefone discurso que acabara de escrever, ainda nem bem saído do forno, como se costuma dizer, e que deverá pronunciar em reunião de comemoração de cinquenta anos de formatura da turma de 1974, que integrou, da nossa vetusta e centenária Faculdade de Direito, hoje compondo a Universidade Federal do Amazonas, e me deliciei com o verbo nascido do coração de um jovem bacharel que recompôs, como maestro que constrói arranjo para música que toca a alma, o tempo ido, buscando nos sonhos os compromissos de juventude que ornaram de crença a vitória primeira, há meio século.
A Faculdade, uma das três primeiras do Brasil, criada ao início dos anos 1900, foi centro de formação de líderes para além do Direito, e de seu íntimo saíram governadores, ministros de estado, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, certo também que produziu brilhantes advogados, juízes, promotores, desembargadores, ministros de cortes superiores, juristas e professores, catedráticos que manejavam e ensinavam a compreensão e a aplicação da lei com vistas à distribuição da justiça.
Talvez por isso, pouco tempo depois da turma de 74, aquele núcleo do saber não se sobrepôs ao medo imposto pelos governantes de plantão que exigiram do Conselho Universitário daqui, como fizeram em outros Estados brasileiros, a extinção da Faculdade, e em tempo de escuridão o colegiado da então Universidade do Amazonas, agachado e indiferente ao passado, temeroso quanto ao futuro, acabou por transformar um dos três patrimônios do ensino da ciência jurídica no País em simples curso da Faculdade de Estudos Sociais, junto com os de Economia, Administração e Contabilidade.
A essa sanha do mal resistiram bravamente, de entre as três mais antigas, a Faculdade de Direito de Pernambuco e a do largo de São Francisco, em São Paulo, onde os órgãos superiores das Universidades terão praticado, por certo, o ato digno e altaneiro de dizer não à ordem nascida das trevas em que haviam mergulhado a educação brasileira, pra dizer o mínimo.
Por aqui, a desimportância conferida à Faculdade perdurou por mais de dez anos, mesmo que ali houvessem lecionado catedráticos como Xavier de Albuquerque, presidente do Supremo Tribunal Federal, Henoch Reis, ministro de Tribunal Federal de Recursos e governador, José Lindoso, senador e governador, Ariosto Rocha, juiz federal como Aderson Dutra também reitor, Lúcio de Rezende, Ernesto Roessing, Análio de Rezende, desembargadores, Paulo Nery, conselheiro do Tribunal de Contas, prefeito e governador, Samuel Benchimol, amazonólogo festejado além-fronteiras, Aderson de Menezes, o primeiro reitor da Universidade, depois professor da Universidade Nacional de Brasília, dentre outros, sucedidos alguns por João Braga, procurador e conselheiro do TCE, vereador e prefeito, Almir Dantas, procurador, Paulo Feitoza, desembargador, Carlos Fausto Gonçalves, advogado e procurador, Carlos Alberto Araújo, do Ministério Público, além de tantos que com a mesma competência e dedicação, fizeram a história e suportaram o vexame da força.
Só bem depois, na reitoria de Roberto Vieira, com apoio dos estudantes, liderados por Júlio Antônio Lopes, presidente do Diretório Acadêmico, Sávio ao lado, de Adonay Barreto, Lúcia Paes Barreto, Orlando Câmara, Franciomar Lima, a religiosa Márcia e tantos mais, de servidores, comandados por Arnaldo Rosas, secretário por mais de 40 anos, e de professores, como Francy Litaiff, Neli Lins, Oldeney Valente, Elson Andrade, Heleno Montenegro, José Braga, Félix Valois, Nice Benevides, Barros de Carvalho, Renée Hanan e todos os que compunham a congregação de então, lá pelos idos de 1986, conseguimos recriar a Faculdade, que dirigi e cuja direção entreguei a João, sucedido por José Russo e por Clínio Brandão, plantados novos nortes, recuperado o orgulho de bem fazer, hoje honrados por José Roque, por Carlos Alberto e por Adriano, o Diretor.
Robério, o caçula de Sebastiana e Lourenço, lia a peça magistral que acabara de criar e eu me punha a lembrar da exigência do uso de paletó para assistir às aulas, veste que, obviamente, era indispensável também aos professores e que compunha ato solene, no dia da última prova, para ser queimado em plena praça dos Remédios, em frente à sede de nossa saudosa Jaqueira, como ficou apelidada a Faculdade. A queima do paletó era, em verdade, o grito primeiro de vitória, ao tempo em que significava, inequivocamente, protesto pela exigência do uso em clima não compatível. E tudo se dava ali como festa, entre abraços e brindes, sorrisos e até fogos, verdadeira cerimônia que também se perdeu no tempo. Terminou com a turma de 74.
Também lembrei dos símbolos de nossa Casa de ensino e estudo. Além do Arnaldo, que na Secretaria admirava a bela Lia, o Edmundo, porteiro que depois foi trabalhar na Justiça Federal, levado por Aderson Dutra e substituído por João de Deus, que já não usava uniforme igual ao de seu antecessor, nem mesmo a gravata sobre a blusa azul que combinava com o marinho da calça, eles que se às vezes impunham limites outras tantas compartilhavam as peraltices, e da “dona” Ocridalina, que explorava a cantina e que nos vendia tapioca de sabor incomparável para acompanhar o cafezinho ou o refrigerante e terminava por testemunhar, discretamente sempre, conversas até íntimas e algumas promessas. E tanto foi seu brilho que recebeu ela a homenagem de ser nome de uma das turmas a que entreguei o diploma, como Diretor.
A turma de 74, que completou o primeiro ano do Curso quando eu encerrava meu tempo de aluno, guardou consigo a última queima do paletó, cuja exigência de uso foi abolida no ano seguinte, e gerou desembargadores, juízes, promotores, defensores, procuradores, delegados, professores, advogados, secretários, políticos e empresários, homens e mulheres que impuseram respeito pelo modo de ser e de agir e que têm, por isso mesmo, todo direito de comemorar o Direito que horaram no dia-a-dia de seu trabalho agora cinquentenário.
Deste canto, homenageio a todos os formandos da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas da turma de 1974.