Problemas do texto da Reforma Tributária aprovado no Senado

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Ives Gandra da Silva Martins

O Senado Federal aprovou na quarta-feira (08) a proposta de Reforma Tributária. A principal medida proposta é a unificação de cinco impostos federais, estaduais e municipais em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Além disso, a proposta estabelece a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, com isenção total de impostos, e a implementação de um “imposto do pecado” sobre produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e armas.

Uma mudança tão ampla do atual sistema tributário deveria ter sido estudada como fez a Comissão do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro na década de 1950 e parte da reforma de 1960 para plasmar a Emenda nº18/ 65 e o Código Tributário Nacional.

O anteprojeto de Rubens Gomes de Souza estudado anos a fio pelos melhores tributaristas da história do Brasil como Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende, Aliomar Baleeiro, Amílcar de Araújo Falcão, Carlos da Rocha Guimarães e outros, resiste, na sua espinha dorsal, até hoje, apesar da intensa “contribuição de pioria” que políticos e regulamenteiros no curso nesses 60 anos têm trazido ao sistema.

A desfigurada PEC 45 apresentada por Arthur Lira e aprovada em poucos dias na Câmara e, agora, pelo Senado, traz como elementos estruturantes do novo sistema:
1- Uma desfiguração do sistema federativo ao retirar a competência plena dos Estados sobre ICMS (90% em média de sua arrecadação) e dos Municípios sobre o ISS (principal tributo dos médios e grandes Municípios), transferindo toda a competência impositiva para a União que legislará sobre CBS e IBS.  Além disso, um Comitê Gestor terá capacidade de arrecadação e distribuição do IBS para 5.565 Municípios, 26 Estados e Distrito Federal. Tal Comitê será composto de 54 delegados, 27 dos Estados e DF e 27 dos 5.569 Municípios.

2-    Muda o regime misto de origem e destino, exclusivamente para destino sem nenhuma projeção quantitativa de como impactará a receita de todas as entidades federativas.

3-    Mantém a convivência do atual sistema com a CBS da União desde 2026 e o IBS desde 2029 até 2033, o que vale para “simplificar” complicará o sistema até 2033 se não houver prorrogações.

4-    Impactará o setor de serviços, hoje com um ISS de até 5% e um PIS/ COFINS cumulativo de 3, 65 para os setores não excepcionados para uma alíquota que será de no mínimo 27%, mas provavelmente superior a 30%, se considerarmos o cálculo da incidência de ICMS, PIS, COFINS e ISS em relação ao PIB dos últimos anos em torno de 11,8%. Quanto maiores forem as exceções, maior a alíquota.

5-    A indústria sujeita a IPI, ICMS, PIS, COFINS deverá ter um alívio de tributação, levando em consideração todas as deduções que poderá fazer, não se sabendo ainda como funcionará o denominado imposto seletivo, cuja abrangência se desconhece.

6-    Os bancos, por serem trocadores de dinheiro, serão pouco atingidos.

7-    O setor de serviço sujeito a ISS e PIS/ COFINS cumulativo, com pouquíssimas deduções, deverá, nas alíquotas não excepcionadas, pagar mais do que a indústria, que poderá deduzir o tributo anterior em valores muito maiores.

8-    O comércio sujeito ao ICMS e PIS/ COFINS terá também um aumento considerável, pois não paga o IPI que a indústria paga hoje, mas pagará na não exceção o mesmo que a indústria paga de PIS/ COFINS ICMS e IPI.

9-    A agropecuária, mesmo com a redução de 60%, pagará mais do que está pagando hoje, ou seja, em torno de 4,5%, razão pela qual é o setor da economia que tem salvo o país do descompasso, gerando superávits na balança comercial. De cada cinco (5) pratos que se come no mundo, um é fornecido pelo Brasil.

10 – Indefinição das Alíquotas do IBS: As alíquotas do Imposto sobre Bens e Serviços serão determinadas por leis complementares a serem votadas posteriormente, gerando incerteza e insegurança jurídica para contribuintes e governos.

11 – Criação do Conselho Federativo: A proposta introduz a formação de um Conselho Federativo composto por representantes dos três níveis de governo, concedendo poder de veto sobre as decisões do Comitê Gestor do IBS. Esse conselho pode resultar em conflitos e impasses, além de suscitar preocupações sobre a autonomia de estados e municípios.

12 – Exceções à Alíquota Geral do IBS: Setores como saúde, educação, transporte público e energia elétrica seriam beneficiados por exceções à alíquota geral do IBS, potencialmente distorcendo a lógica de simplificação e neutralidade do imposto.

13 – Transição para o Novo Imposto: O período de transição proposto, de dez anos, sendo seis anos de convivência entre o IBS e os impostos atuais e quatro anos de redução gradual desses impostos, merece  críticas por ser potencialmente longo demais, dificultando a adaptação de contribuintes e governos ao novo sistema.

14 – Dupla Desoneração na Cesta Básica: A proposta sugere isenção total do IBS na cesta básica e um crédito tributário para compensar os impostos pagos nas etapas anteriores da cadeia produtiva. Essa medida pode ser ineficaz e regressiva, beneficiando mais os consumidores de maior renda.

15 –  Por fim, para não alongar em demasia, quando os números e as alíquota forem apresentadas na legislação infraconstitucional a ser produzida, todos os setores duramente impactados farão seus “lobbies” no Congresso, prevendo-se mais exceções.

Como Estados, Municípios e União não têm certeza de como seus vencimentos se comportarão, o próprio Fundo que, na plenitude da vigência do sistema deverá destinar 60 bilhões de reais tirados do orçamento da União, prevê-se que ou os contribuintes pagarão a conta ou o endividamento crescerá, pois quem ganhar de entidades federativas ficará satisfeito, quem perder terá que ser compensado, o que vale dizer, para simplificar o sistema criamos 3 vezes mais dispositivos constitucionais que o do atual sistema, que certamente exigirão a interpretação provocada por entidades públicas prejudicadas por tais disposições por parte da Suprema Corte.

O texto ainda passará por análise na Câmara dos Deputados, onde poderá sofrer alterações ou ser rejeitado. A votação no Senado não foi unânime.
Há necessidade de ajustes na Câmara, especialmente no que diz respeito à elevação da alíquota, destacando que, sem esses ajustes, o Brasil pode perder a oportunidade de fortalecer a competitividade. Portanto, se a reforma ao voltar para Câmara, for aprovada como foi apresentada no Senado, poderá onerar de forma descomunal os setores do Agro, Comércio e Serviços.

Creio que contadores e advogados tributaristas não se queixarão do trabalho que terão por dezenas de anos, pois só a definição pela Suprema Corte do que seria “operação”,“circulação” e “mercadoria” do ICM levou aproximadamente 30 anos.

A atenção se volta agora para os próximos capítulos dessa reforma no cenário tributário brasileiro.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Dire ito da Fecomercio-SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

Informações para a imprensa e entrevistas: Gabriela Romão (11)97530-0029

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