Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
lourencodossantospereirabraga@hotmail.com
Há dois dias, encontrei na internet, e depois assisti em reportagem exibida por televisão nacional, matéria dando conta de mais uma operação policial na metrópole paulista que me faz voltar, muito a contragosto, a tema que sempre a mim me inquieta profundamente e que de fato não gostaria de abordar, não fora minha inconformação com a truculência que isso representa como violação de direitos fundamentais de quem é tão humano, tão cidadão quanto os que se fardam para, em nome do Estado e ao contrário do que deveriam fazer, saírem às ruas a espalhar o medo em lugar da paz que lhes compete promover e preservar.
Perdoem-me, pois, os poucos leitores que sei ter, porque três são os filhos generosos que se somam a quem os trouxe ao mundo, além de outros tantos irmãos compreensivos, se considero relevante o que ouvi, vi e pretendo narrar com a fidelidade que a memória me permita.
Encontravam-se três zelosos policiais paulistas em uma viatura de propriedade do Estado, ou por este alugada a empresa locadora especializada, convenientemente equipada para o cumprimento da missão cidadã de prevenir o rompimento ou fazer o restabelecimento da paz social, quando foram convocados, por meios próprios de comunicação moderna, a coibir um assalto que transcorria no interior de um supermercado das redondezas. Prontamente, com a eficiência que deles sempre se espera em situações que tais, dirigiram-se ao local, certamente sob o som estridente da sirene denunciadora, e ao chegarem ao lugar do crime foram informados de que dois indivíduos teriam praticado ali roubo, ou furto, e se haviam evadido ao saber da aproximação da polícia. Imediatamente, saíram em perseguição no caminho que lhes foi indicado por algum também zeloso servidor da empresa assaltada e, pouco depois, conseguiram bradar a desejada voz de prisão a um dos “meliantes”, eis que o outro lograra fugir.
Que bela narrativa (para usar expressão que tanto hoje empolga) de sucesso da força policial. Era o Estado agindo com a presteza esperada, fazendo “vitoriosa” a atividade preventiva e repressiva que tantos milhões de reais custa à sociedade com soldos, folgas remuneradas, férias, licenças, fardamentos, equipamentos, viaturas, armamentos, treinamentos, colégios para dependentes, formação permanente e assistência psicológica, aposentadoria precoce, além de alimentação e pousada, tudo indispensável ao funcionamento do complexo sistema de manutenção da chamada ordem pública, da segurança dos cidadãos e do patrimônio, seja público ou particular.
Ao que assisti nos vídeos exibidos, foram os três cuidadosos representantes da lei e da ordem para fora da viatura, que certamente ao estacionar já terá gerado no “assaltante” pavor pelo menos razoável, eis que como sempre acontece, certamente porque assim está em protocolo de abordagem, pelo menos um há de ter saltado do veículo com arma em punho, hoje nem mais de pequeno calibre, enquanto ao segundo cabe pelo menos a imobilização de quem, por motivo justo ou não, precisa ser levado à presença da autoridade com acusação da prática de delito.
A cena – absolutamente comum nos dias de hoje, infelizmente não mais restrita às chamadas grandes cidades, onde costumava haver a ousadia do crime, sobretudo à luz do dia, como sempre se disse – talvez passasse rapidamente a catálogo vencido, não fora o que sucedeu a partir daí e que, pelo menos para mim, justifica e exige mais um grito de respeito em meio a essa guerra que se instaurou nos tempos de agora. É que, algemado certamente por haver esperneado na hora da prisão, o “tão perigoso ladrão”, talvez daqueles capazes de explodir caixas eletrônicos de agências bancárias de pronto atendimento, continuava a oferecer resistência, segundo afirmou depois um dos competentes policiais, e foi preciso amarrá-lo, isto mesmo, com cordas que lhe prenderam os pés às mãos, pulsos e tornozelos suportando-as enroladas várias vezes e atadas com nós, provavelmente até de marinheiro, e provocando dores que nem ele mesmo será capaz de definir, certamente.
Pronto, afinal imobilizado!
Mas era preciso retirar dali, do meio da plateia que já se formava, aquele que tanta ameaça representava e então dois dos três primatas vencedores (que me perdoem os irracionais eventual ofensa) deram-se a conduzi-lo para a viatura. E como fizeram? O primeiro, pôs-se à frente do “bandido” , puxando-o pela camisa, presa ao pescoço, enquanto o outro, tão satisfeito quanto, o segurava pelas cordas, e o retrato assemelhar-se-ia a uma rede, dessas que tanto servem ao repouso e de uso tão comum aqui como no Nordeste, ali não estivesse o corpo físico de um humano que, jogado primeiro sobre uma maca, foi depositado em veículo onde sua tortura não terminaria. Gritos, dores, pedidos de socorro, de piedade, de compaixão, nada disso importava, até porque, obviamente, só engrandeciam, certamente, o incompreensível sentimento dos estúpidos e covardes “agentes da lei”.
Um circunstante, revoltado com o que assistira e bradando em vão, calado pela ameaça que lhe fez um dos vencedores algozes, revolveu continuar filmando o que depois terminou possível vermos e que, espero por continuar crendo no Brasil, há de servir para a aplicação de medidas oficiais rigorosas e, quem sabe, para revisão de métodos até mesmo de seleção dos que irão para as ruas com a missão de defender o cidadão. O que vi jogado na parte traseira da viatura policial poderia descrever como um homem enroscado e amarrado em si mesmo, sem movimento qualquer e com postura indefinida da coluna vertebral.
Como lhes competia, os trogloditas fardados (que me desculpem os africanos das cavernas de antanho) conduziram o preso à delegacia de polícia. Não, em verdade conduziram o carro onde se encontrava aquele infeliz e perigoso ladrão que na viatura permaneceu enquanto os fardados foram conversar, nem se sabe o que, com a autoridade policial civil. E só bem depois, talvez por ouvir gritos desesperados de dor e de socorro, foi que cuidaram de abrir o carro e, com a selvageria que até então haviam demonstrado, desataram os nós, permitindo que o corpo fosse vagarosamente retornando à normalidade postural para, só então, conduzi-lo ao prédio onde havia o xadrez para guarda-lo.
O crime? Furto de duas caixas de bombons de chocolate.
A cor do preso? Preto.