Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.
Na última semana, fiz neste espaço uma conclamação à celebração da paz, do entendimento, da convivência saudável, da compreensão, da aceitação, da renúncia, do perdão, tudo que considero necessário, nestes tempos brasileiros, para que o governo que chega, instalando-se no primeiro dia do ano entrante, trabalhe incessante e competentemente em busca de sepultar o ódio, compreendendo que o país saiu de um processo democrático de eleição indiscutivelmente dividido, com o resultado das urnas indicando a menor diferença de votos entre os dois disputantes,
líderes incontestes de correntes antagônicas de pensamento.
Deixei posto ali que os vencedores devem descer do palanque, deixar de lado os discursos usados durante a campanha que já se encerrou e cuidar, como de fato estão fazendo, de organizar a transferência, não do domínio, da propriedade que continua sendo do povo, insisto, mas exclusivamente da posse, de forma ordeira, civilizada e republicana. Afinal, continuo a crer que é preciso iniciar o caminho para dar cumprimento àquilo em que o povo acreditou ao votar e escolher.
A composição do grupo incumbido da transição, que constitui obrigação decorrente de lei, a definição de comandos e a incorporação de representantes de forças partidárias de diferentes matizes constituem sinais claros de normalidade na organização do que pode vir a ser a gestão a iniciar-se.
Movimentos de envolvimento de forças políticas constituídas ou vitoriosas no pleito de há pouco, se não forem de busca de mera cooptação, podem ter significado importante nos rumos e na forma da condução, inquestionável que é preciso restabelecer a harmonia, a interdependência e a convivência inteligente, digna, respeitosa e equilibrada entre os Poderes da República. Afinal, o Brasil não é país de xerifes e o desequilíbrio não compõe os ensinamentos do velho Ruy do início do século que findou.
O povo precisa voltar a acreditar não só nos que o representa, por voto digitado na urna tantas vezes posta em dúvida nos tempos recentes, mas no conjunto do que se chama Estado, com os poderes funcionando regularmente, sem exageros, exibições desmedidas, invasão de competências, desrespeito ou exibicionismo, que afinal o ente estatal é uma ficção e nós somos reais e insubstituíveis.
As togas e os ternos são símbolos a respeitar por todos, principalmente pelos que os usam. Nós outros simbolizamos a necessidade do respeito, do acatamento, do reconhecimento de que construímos, a cada dia, nas escolas, nos hospitais, nas fábricas, no campo, na lavoura, no garimpo, nas choupanas, nas palafitas, nos beiradões, nos cafezais, nos seringais e até nas ruas, como pobres pedintes, o Brasil que lhes concede o poder.
E se pensamos como os vencedores, aplaudi-los é muito pouco, quase nada. Há que haver em cada um o sentimento da construção, a integração na visão do depois, a participação possível no que for preciso fazer.
Se não for assim, se somos dos que continuam protestando, Brasil afora, por não aceitar e às vezes nem compreender o resultado das urnas, precisamos continuar brasileiros, respeitados, dignificados na crença, fortes na convicção dos caminhos. Se assim não for, não haverá a convivência pacífica que pedi no texto anterior.
Penso, no meu modesto canto de observador da vida, que não há paz sem liberdade. Uma é conteúdo da outra, que me perdoem os filósofos, mesmo os não fanáticos como meu amigo Cyrino e meu irmão José. Mas porque ouso pensar assim, trago a este espaço o conteúdo de paz que me parece caber, dizendo assim, nuMa quase poesia audaciosa, que chamei de LIBERDADE DE PENSAR:
Nunca abdique de sonhar
é o que dizem os poetas
até parecendo profetas
do que você vai encontrar
olhando a vida passar.
Não há quem possa impedir
sequer mesmo interferir
na liberdade de pensar
talvez o maior direito
das leis que o homem tem feito
na ânsia de comandar.
Certo que governo forte,
uma ameaça de morte
ou sério risco de prisão
fazem o homem temeroso,
inda pareça medroso,
de emitir opinião
e ele prefere calar
pra não ter que concordar
mas reserva preservado
em segredo bem guardado
seu direito que é sagrado
de pensar e de sonhar.