GRITOS

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Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

Na semana que passou escrevi sobre o silêncio, até para registrar inconformação de não gritar contra os que de quando em quando o pretendem impor, seja usando o “poder” que alguns pais se atribuem, talvez por repetição do que ouviram e fizeram quando crianças, seja usando o direito que outros absurdamente se concedem na “liderança” de salas de aula, seja, ainda, quando muitos imaginam força que eventual eleição lhes confere, permitindo-lhes fazer de cargo público instrumento de açoite de mentes amedrontadas, seja, enfim – e para não desenrolar todo o novelo de possibilidades da rudeza humana – para não encorajar os que, covardemente, fazem luzes no espaço usando bombas e armas de alta capacidade de matar e de destruir.

Não são poucas as vezes em que  o silêncio, se imposto, obriga a lágrimas, muitas que terminam sufocadas no peito e na consciência para não incentivar os que agridem. E é até possível que seja confundido como aceitação, ou desejo, ou prazer, eis que algozes não costumam ter sentimento sadio nem capacidade de compreender.

É assim, certamente, que se dá no ambiente íntimo de muitos lares, com estatísticas que assustam indicando que são muitas as  mulheres sufocadas por prepotência absurda e estúpida de homens  que, só por essa condição – que, aliás, só lhes pertence por mera  prevalência de cromossomos no instante da fecundação —  se atribuem direito à cretinice da ofensa, da humilhação, dos maus-tratos, da agressão física, moral e intelectual de quem com eles convive, mesmo que tenham participado da festa do que  diziam ser sonho duradouro, e até eterno.

Também é assim que se dá com crianças e com adolescentes, muito mais as do sexo feminino, muitas vezes abusadas, exploradas, desrespeitadas desde cedo e quase sempre obrigadas a silêncio que lhes é imposto por estúpidos pais, padrastos ou irmãos que, só por essa razão,  deveriam proteger-lhes contra eventual agressão externa que eles próprios realizam na intimidade e, no mais das vezes, na  escuridão  e no silêncio trágico da noite.

Ah silêncio! Como és forte na dor do amor desfeito, do sonho perdido, do ontem que não se  fez hoje, nem amanhã, nem nada, do olhar escuro para o depois. Com que força te impões aos que se veem sozinhos, como se perdidos em deserto do tempo e que caminham em busca de oásis que, se não lhes devolva o sonho, pelo menos lhes permita mitigar a sede. És companheiro e parceiro, então, mesmo que sufocante tanto quanto a distância dos que não foram.

Pois bem, fui chamado, por apelos vários, a falar do que está escrito no título desta conversa. E comecei desta forma porque considero que se há gritos belos, sonoros e estridentes, como os de crianças felizes que brincam inocentemente em parques, em jardins, nas escolas ou em suas próprias casas, há também, e talvez nem poucos, os mesmos gritos que terminam sufocados   pelo medo imposto por adultos que, talvez em processo de pura repetição, ou por desvio moral ou intelectual, quem sabe, impõem a quem, em uma palavra, não é capaz de se defender. São gritos da alma, do espírito, não ouvidos externamente, mas com extraordinária capacidade de devastação espiritual e, quase, sempre, de crença.

Há gritos de alegria extremada – em cujo barulho talvez  animais irracionais e racionais nos façamos semelhantes – por alegrias e por conquistas que a vida nos vai concedendo à medida em que vivemos construindo o bem. Como é prazeroso ouvir os gritos da mulher, mesmo em dor, na hora de trazer ao mundo o que criou e acomodou, em seu ventre, por tanto tempo. É simplesmente a vida!

E, logo, o grito de quem veio, inocente, absolutamente puro, pronto para processo de reconhecimento do ar, do ambiente físico, do seio que lhe  servirá de colo e de fonte de alimentação. E na meiguice desse encontro  mágico faz-se ternura em grito de puro amor que  vai muito além dos corações que o proclamam.

Depois, serão muitos os gritos de  alegria com as conquistas na escola e na vida, com o aprender e com o construir, com o caminhar e com o levantar e a cada clamor haverá mais que mera demonstração de amor, a prece de agradecimento. Assim será, em cada conquista.

Há gritos e gritos, portanto. Porque há vida de alegrias e de tristezas, de construção e de perdas, de coragem e de medo, de silêncio e de gritos, mesmo que estes se transformem em silêncios que gritam por socorro, por amor e até pelo reconhecimento de ser.

Eis porque, como fiz na semana que passou, meu silêncio é verdadeiro grito pela liberdade de ser, de pensar, de sonhar, de calar e de dizer.

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Redação
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