Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
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Chega ao fim o mês de fevereiro e em quase todos os cantos do País homens e mulheres de todas as idades, crianças, jovens, adultos e idosos, do campo ou da cidade, já se entregam a viver o que muitos consideram a maior festa popular do planeta, o Carnaval.
Verdade que os dias oficial e originalmente reservados a esses folguedos foram três, de domingo a terça-feira, mas já vai longe o tempo em que pernambucanos, baianos, cariocas, paulistas, maranhenses, amazonenses, brasileiros de todos os recantos, enfim, anteciparam as festas, muitos já as vivendo desde o meio da semana em curso com blocos de frevo, de maracatu, de samba, de boi-bumbá, e desde bem antes os ensaios nas quadras, nos terrenos desocupados, nos terreiros, que não os santos, nas praças, preparam o espírito dos amantes da folia para encontro com Rei Momo e sua comitiva de súditos alegres e felizes, muitas vezes fantasiados externa e internamente.
Não é de agora. Lourenço, o pai, ao lado de amigos, colegas de profissão marítima e admiradores, levava para a avenida Eduardo Ribeiro – a mais nobre da cidade, sede do palácio da justiça, do Ideal Clube e do majestoso teatro que a todos encanta – o brigue Independência, miniatura de navio em torno do qual realizavam manobras próprias de marinheiros, ao som de marchinhas e obedecendo aos apitos de seu comandante. Era festa e orgulho que se estampava nos rostos felizes e nas vestes alvas que homenageavam a Marinha brasileira. E o povo em volta vibrava, cantava e lançava confetes e serpentinas, esbanjando prazer.
Foi ali também que se assistiu, por longo tempo, à chegada de grande boneca vestida de branco recebida em festa, com fogos e tambores, inspirada em música de Benedito Lacerda chamada Jardineira, que dizia, chorosa, haver a Kamélia caído do galho e dado dois suspiros antes de morrer. Depois, como até hoje, era levada para o Olímpico Clube, de grande tradição por aqui, onde reinava e reina também em tradicional festa de segunda-feira dita gorda, que rivalizava com o baile de traje a rigor realizado pelo Rio Negro Clube e que ensejava o encontro dos brincantes de uma e outra na praça da Polícia, em frente ao Colégio Estadual, onde os bailes se encerravam raiado o dia.
Kamélia, a boneca oficialmente considerada símbolo do carnaval amazonense, ainda hoje recebe as chaves da Cidade para dar o grito primeiro do carnaval e é havida como patrimônio imaterial do Amazonas.
Era também na Eduardo Ribeiro que se fazia o desfile dos chamados blocos de sujos, onde imperava a liberdade de cada um mostrar a efervescência de sua alegria da maneira como lhe aprouvesse, com fantasias simples, homens que imitavam mulheres, célebres ou comuns, de vestidos ou maiôs, havendo até quem se divertia fingindo comer goiabada ou marmelada posta em recipiente de ordinário usado para receber a excreção humana. Tudo era brincadeira!
Nos clubes, os bailes na periferia de São Raimundo, Educandos, Cachoeirinha, São Jorge, Crespo, Morro da Liberdade, ou a festa de gala com desfile e concurso de fantasia que se fazia no Ideal, nos altos da Eduardo Ribeiro, onde imperava o luxo, o glamour, a criatividade, a ostentação, a arte de Roberto Carreira, Jayme Covas, Inês Benzecry, Luís Pinto e outros que faziam da passarela montada à entrada o palco da beleza.
No Rio de Janeiro, desde quando sede do Distrito Federal, os blocos que invadiam as avenidas da zona sul e da zona norte, o da Bola Preta, a Banda de Ipanema, e muitos, muitos outros povoando de alegria ruas, praças e praias, e nos morros, as escolas de samba da Mangueira, de Cartola, Carlos Cachaça e de Tia Tomásia, da Portela, de Paulo, de Chico Santana, de Zé Ketti e de Candeia, e a Deixa Falar, havidas como fundadoras do carnaval carioca. Foram todos herdeiros de Tia Ciata, mãe de santo conhecida como padroeira do samba fluminense. Depois, Vila Isabel de Noel e de Martinho, Unidos da Tijuca, Beija-Flor, de Neguinho que está a despedir-se neste ano e onde imperou a arte de Joãozinho Trinta, Imperatriz Leopoldinense, Viradouro, Salgueiro juntam-se às demais que realizam na Marquês de Sapucaí o maior desfile carnavalesco do planeta.
É como se dá com a Vai-Vai, a Águia de Ouro, a Império da Casa Verde, a Mocidade Alegre, a Tom Maior, a Gaviões da Fiel que fazem tremer o chão de asfalto do sambódromo de São Paulo, onde também o luxo, a criatividade e a alegria encantam de forma singular.
Na Bahia, o axé tomou conta de todos, dos baianos de origem, como meu pai, e dos que chegam, aos milhões, para festa que dá início à festa e que só a encerra depois das cinzas.
No Pernambuco de Sebastiana, o Galo da Madrugada incumbe-se de acordar e convocar o povo para a folia e os bonecos gigantes de Olinda bailam ao lado de passistas que fazem do frevo o fervor da alegria, para não permitir que se cruzem braços indiferentes na plateia.
É assim Brasil afora e aqui o desfile saiu da Eduardo Ribeiro, não mais com o Brigue, para a avenida Djalma Batista, quando Robério esteve a dirigir a Empresa de Turismo do Estado, e à brincadeira individual juntaram-se blocos organizados e as escolas de samba que se vieram estruturando ao longo do tempo depois da Vitória Régia que fez do bairro da Praça 14 de Janeiro o berço do samba em Manaus.
As escolas cresceram em beleza, em organização, em encantamento, em admiradores e fanáticos fãs e o espetáculo se agigantou a ponto de exigir do governo a construção de nosso Sambódromo, hoje palco de desfiles que se iniciam na sexta-feira, com blocos e escolas que ainda não chegaram ao chamado grupo especial, que acolhe o ritmo de Garantido e de Caprichoso e que se engalana e se engradece no sábado para receber a Unidos do Alvorada, a Vila da Barra, a Sem Compromisso, a Reino Unido do Morro da Liberdade, a Grande Família, a Andanças de Cigano, a Vitória Régia e a minha querida Mocidade Independente de Aparecida, do bairro onde vivi grande parte de minha adolescência, residindo na casa de número 91, bem de frente para o que hoje é a quadra verde e branco.
Pois bem, como os sonhos vividos na folia momesca um há que se realizou e se concretiza crescente a cada tempo novo. Falo da Universidade do Estado do Amazonas, que por primeiro dirigi e de quem digo ser o maior patrimônio da juventude deste canto do mundo no início do milênio e do século que vivemos. Nascida para romper fronteiras, como o samba fez e faz, para vencer desafios, como os que vencem mestres-salas e porta-bandeiras, passistas e ritmistas em desfiles harmônicos, a UEA foi cantada na Avenida pela Sem Compromisso em ano do primeiro lustro de sua criação, e a escola vestiu-se de mais ouro em contraste com a beleza do preto também de sua bandeira para falar das vitórias da então já maior universidade multicampi do país, do PROFORMAR, que graduou 95% dos professores do ensino fundamental no Amazonas, dos mestrados em Direito Ambiental, em Medicina e em Engenharia, da graduação de cientistas políticos em 13 municípios do Interior, do APROVAR, preparatório gratuito para vestibular em todo o território amazonense, do REESCREVENDO O FUTURO, que alfabetizou mais de 150 mil jovens de até 70 anos de idade vindos das sedes municipais e dos beiradões.
Neste sábado, 1º de março, nossa UEA volta ao Sambódromo pelas vozes, pelos tambores, pelos passos, pela beleza e pelo samba da verde e branco de Aparecida, tantas vezes campeã do Carnaval de Manaus. É com o “Lux Sapientiae – Orgulho Caboclo” que o carnavalesco Saulo Borges vai cobrir de alegria a passarela para desfilar as conquistas que se vieram avolumando com as reitorias de Marilene Correa, de José Aldemir, de Carlos Eduardo, de Cleinaldo Costa e, agora, de André Zogahyb, exemplo em si mesmo da vitória, eis que aluno da primeira turma nos idos de 2001.
A Universidade do sonho maior dos povos da floresta junta-se ao esplendor do sonho do samba e há de fazer do sucesso do saber a alegria de vencer.
EVOÉ, UEA!