Eliminação da Seleção é o espelho do fracasso do país

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*Samuel Hanan*

Em contraste com o espírito das Festas de final de ano, grande parte da população brasileira viveu a tristeza e o desapontamento causados pela eliminação da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo do Catar. Havia um clima de grande esperança, precocemente desfeito. A História, no entanto, nos mostra que o fracasso no futebol não é pontual nem está dissociado do malogro na condução das políticas públicas no país, estas sim capazes de impactar a vida dos cidadãos por anos, ao contrário da alegria efêmera no futebol.

Basta ver que nossa Seleção não ganha o título mundial há cinco copas, completando um ciclo desastroso de 2002 a 2022. Soma resultados tão pífios quanto as ações de governo nesses últimos 20 anos, com consequências desastrosas para o país.

No futebol, aqui cuidado por uma entidade privada – a CBF -, os técnicos têm sido ungidos e a eles são dados poderes e recursos financeiros abundantes para formar uma equipe para cuidar da grande paixão nacional e buscar o hexacampeonato mundial. Nem sempre as escolhas se deram pelos mais desejáveis critérios técnicos de competência, transparência e seriedade visando o melhor desempenho em campo.

Coincidentemente, o exemplo não veio de cima. Nesses 20 anos, a CBF teve seis presidentes, três deles afastados por denúncias de corrupção e um deposto por denúncias de assédio sexual. Eles escolheram equipes técnicas bem remuneradas, constituídas por amigos dóceis – alguns subservientes -, por simpatias, amizades e compadrios, abrindo espaço para nepotismo bem remunerado. Nas convocações dos jogadores, também houve opções pelos mais amigos, mais antigos e alguns já sem capacidade física e técnica para a disputa de uma Copa, chutando-se para longe o critério da performance.

Esse poder imperial conferido aos técnicos foi, em grande medida, responsável pelo fracasso de 20 anos, sem nenhuma responsabilidade e com desprezo pela ética e pela atenção aos jogadores mais jovens, abandonados no gramado após a eliminação para a Croácia, absorvendo sozinhos a derrota enquanto o treinador dava uma canelada no espírito de liderança e descia sozinho para o vestiário.

Enquanto isso, nesse período de cinco Copas o Brasil teve dois presidentes de um mesmo partido – que governaram por 14 anos -, um vice que assumiu por dois anos em razão do impeachment da presidente, e agora se encerra o ciclo de quatro anos de um presidente de outro campo político. Todos eleitos pelo voto direto, em completa observância do regime democrático.

Todos, também, com resultados decepcionantes. Um fracasso que, a bem da verdade, já vem se acumulando há mais tempo. O período de 30 anos entre 1956 (início do governo de Juscelino Kubitschek) e 1988 (promulgação da nova Constituição Federal) foi marcado pelo crescimento médio do PIB de 6,35% ao ano, índice comparável ao da China, hoje; caiu para 2,05% nos 33 anos seguintes e nos seis anos do governo Dilma Roussef foi de apenas 0,37% ao ano. Se considerarmos o período de 12 anos compreendido entre 2011 e 2022, o PIB nacional cresceu, em média, 0,75% ao ano. Um desempenho muito ruim. Como no futebol, fomos eliminados do torneio mundial de desenvolvimento.

Mais vergonhoso é constatar que a desastrosa performance na economia nacional se deu apesar do aumento brutal da carga tributária que, no período pós-Constituição de 1988, subiu de 22,43% para 33,90% do PIB, acréscimo de 51%. No recorte histórico das duas últimas décadas, o aumento foi de mais de 21%, igualmente expressivo. Como um time medíocre e mal coordenado, o país atuou com grande apetite para arrecadar, mas foi sempre fraco na distribuição da riqueza e de qualidade de vida para sua população. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que em 2002 já não era bom (72º lugar no ranking mundial da ONU), passou para a 86ª posição. Total desprezo com os mais necessitados, a massa que busca no futebol uma alegria em meio ao seu sofrimento diário.

Sempre bem colocado no ranking da FIFA, mesmo sem conquistar a Copa há tempos, o Brasil é o 12º país em cobrança de tributos, porém estagnou na 30ª posição de serviços públicos oferecidos à população, em trágica incoerência.

Se na Seleção tivemos nepotismo – o técnico levou o próprio filho como auxiliar-técnico -, no país há muito tempo se percebe a deterioração ética, moral e comportamental. Vivemos recentemente os maiores escândalos de corrupção, com valores bilionários sugados de empresas estatais como Petrobras, Eletrobras e Correios, entre outras – em esquemas confessados em delações premiadas e acordos de leniência homologados pela Suprema Corte, que resultou na condenação e prisão de corruptos e corruptores e na devolução de bilhões de reais aos cofres públicos.

O Supremo Tribunal Federal, de forma corajosa, apreciou todos os recursos dos condenados e revisou a pena de muitos dos agentes públicos acusados, em total respeito à Constituição e à legislação.  Reconhecendo falhas processuais cometidas nos processos, a Suprema Corte anulou muitas das condenações, sem que isso tenha significado absolvição porque as ações voltam ao estágio inicial.

Assim, muitos dos que haviam sido condenados, com penas confirmadas em segunda instância, foram postos em liberdade e puderam concorrer novamente a cargos públicos, incluindo o presidente eleito em novembro de 2022, tudo com total observância das decisões judiciais e respeito às interpretações dos ministros do STF e do Superior Tribunal Eleitoral (STE). Foi inequívoca prova da independência dos Três Poderes, sustentáculo da democracia, e a ninguém cabe julgar ou confrontar decisão colegiada da Suprema Corte, restando cumprir o que foi decidido.

Existem, entretanto, lições não aprendidas. O governo eleito negocia com o Congresso Nacional – outro pilar da República – sérias alterações nas leis para gastar de R$ 170 bilhões a R$ 180 milhões por ano acima do teto de gastos, pelo período de dois anos. Serão, então, R$ 360 bilhões além do teto até 2024. Nessa movimentação, parece muito provável a manutenção do orçamento secreto, apontada pelo presidente eleito, durante a campanha, como foco de corrupção.

Se o Congresso aprovar os gastos da forma solicitada, o endividamento público, que já é alto, saltará dos atuais R$ 7,44 trilhões para R$ 7,86 trilhões.  A consequência direta será o novo endividamento, da ordem de R$ 340 bi a R$ 360 bilhões nos próximos dois anos. E como no Brasil há sempre o risco de o provisório virar definitivo, fica a ameaça de redução do ritmo de desaceleração da inflação e da taxa Selic, efeitos desastrosos para a economia nacional.

Admitindo-se o cenário atual de inflação anual de 5% a 6% e redução da taxa Selic dos atuais 13,75% para 12% ao ano, o Brasil passará a pagar encargos financeiros de cerca de R$ 950 bilhões/ano e, ao final do biênio, seu endividamento aumentará em R$ 340 bilhões, gerando comprometimento de mais de R$ 40 bilhões ano, com juros, para pagamento aos bancos. Ou o dobro disso, se a mudança vigorar por quatro anos.

Falta ao Poder Legislativo o pleno e efetivo exercício de suas prerrogativas constitucionais de fiscalização do Poder Executivo. Autorizar gastos acima do teto sem a contrapartida de um plano de metas significa conceder poder imperial ao Executivo. Será repetir o que foi feito com a Seleção Brasileira, com o resultado que todos vimos.

Se é consensual a necessidade de assegurar a manutenção do Bolsa Família de R$ 600 mensais para 23 milhões de famílias, o Congresso pode dar um voto de confiança ao novo governo sem, entretanto, entregar-lhe um cheque em branco. Bastaria, por exemplo, condicionar a aprovação a um programa de redução da inflação para 4% ou 4,5% ao ano, além da redução mais acentuada da Selic, para 10% ou 11% ao ano. Com isso, o governo economizaria de R$ 200 bilhões a R$ 280 bilhões por ano, com juros, gerando, assim, recursos para a retoma de investimentos públicos e geração de empregos, criando um círculo virtuoso.

Do contrário, sem a cobrança de um plano de metas, redução da inflação e aceleração da queda da Selic, em quatro anos com os gastos além do teto o país estará pagando R$ 68 bilhões de juros por ano para manter o Bolsa Família.

O jogo econômico é sério e não haverá no novo governo um técnico escolhido por sua capacidade e experiência comprovada na área, mas alguém que já externou ter pouca familiaridade com a gestão econômico-financeira. Uma escalação, portanto, feita com base na amizade, uma espécie de prêmio de consolação para quem foi derrotado em três eleições seguidas. Não é à toa que o mercado reagiu mal porque as primeiras sinalizações se restringiram a aumento de impostos, inclusive fora do contexto da reforma fiscal/tributária, ampla, como avançar nas heranças. Prenúncio de que os herdeiros perderão direitos e os governantes ganharão mais poder, sem plano ou proposta de reformas que ataquem as origens dos principais problemas nacionais. Não há comprometimento nesse sentido e, pior, também não há cobrança a respeito.

O governo já não cabe mais no PIB brasileiro. É preciso enfrentar o gigantismo da máquina pública, cortando gastos e remunerando adequadamente professores e profissionais das áreas de saúde e de segurança pública. Também é necessário reduzir drasticamente os gastos tributários limitando as renúncias fiscais que só devem ser concedidas com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais, conforme estabelece a Constituição. O Brasil precisa, ainda, fazer o combate efetivo da corrupção, começando por mudanças legislativas para reduzir a abrangência do foro privilegiado e voltar a permitir a prisão após condenação por colegiado de Segunda Instância. A retomada do desenvolvimento também passa pela redução da carga tributária, hoje fortemente calcada sobre consumo e encargos sociais e previdenciários, e, ainda, pela correção anual das tabelas do Imposto de Renda, hoje defasadas em mais de 140%. E, obviamente, é urgente um plano nacional para melhoria e universalização da educação.

O Brasil precisa de patriotismo. Mas não o patriotismo sazonal, limitado ao momento de entoar o Hino Nacional em Copas do Mundo. A nação reclama um patriotismo verdadeiro, republicano, com mais ética, mais compromissos, menos privilégios e menos mentiras e falácias eleitoreiras. Sem essa mudança de comportamento em todos os cidadãos, governantes e governados, essa “pátria de chuteiras” estará condenada a se perpetuar como a terra das desigualdades.

 **Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br

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