Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
lourencodossantoospereirabraga@hotmail.com
A televisão brasileira, de certo que por preocupação em manter regularmente informados os que a assistem, obriga-se a dedicar cada dia mais tempo a notícias que expõem a face de uma violência que parece desafiar tantos que, de bom grado, procuram na Ciência meios e modos de compreender para encontrar formas de conter. Os jornais que celebram a alvorada, os que transmitem fatos terminada a manhã, tanto quanto os da noite, de primeiro ou de último horário, todos sempre estão a mostrar a agressividade que parece ter tomado conta, em tom maior, do Homem nestes tempos.
Os jornalistas, os radialistas, os comunicadores todos cumprem o que lhes compete, não merecendo reprimenda de qualquer natureza, ordinariamente, e ao dizer assim cuido de não deixar parecer que esteja eu a criticar quem, por dever de ofício, nos informa sobre comportamentos que mais se ajustam ao desumano, ao irracional, sem ofensa qualquer aos animais mais ferozes nem aos sociopatas clinicamente diagnosticados.
Os últimos dias têm sido fartos, generosos até, em notícias que estampam a estupidez de alguns, nem tão poucos, que estão nas ruas investidos no poder de garantia de manutenção da ordem e da segurança da população, armados e treinados, como deve ser, para combater o crime, seja o tráfico da droga, internacional ou doméstico, o furto, o roubo, a ameaça representada por ostensivo passeio de jovens portando fuzis ou outras máquinas de matar, a agressão a mulheres, crianças e idosos, a comportamentos, enfim, tipificados nas leis penais. São esses, os que deveriam combater o ilícito que vêm ocupando o lugar de destaque que, pela natureza da matéria, deveria caber a quem a eles compete buscar para permitir a punição conveniente pelo poder público.
Na quinta-feira última assisti, estarrecido como tenho estado, à notícia de uma guarnição de policiais militares, felizmente não do Amazonas, que instaram um motociclista, entregador de alguma coisa que alguém comprara, a se identificar e, em seguida, a permitir acesso a seu próprio aparelho celular de telefonia. Recusada a segunda exigência, o cidadão foi seguido pela viatura policial até o lugar em que estacionou e, talvez confundido com um criminoso, foi duramente castigado com murros e pontapés até cair ao chão. Os crimes? Não portar o documento do veículo e não abrir o celular, o que terminou registrado como desacato à autoridade.
Da agressão reclamou, com dignidade, provavelmente não com palavras elogiosas, a avó do ofendido, uma idosa que não se permitiu assistir inerte e indiferente à sanha dos que se orgulhavam de exibir a força que a farda lhes conferia então e isso lhe custou, a ela, agressão física que não se restringiu a socos e chutes e que a fez exibir, depois, curativo por ferimento na cabeça, resultante de atendimento em unidade de saúde pública.
Isso mesmo: não portar a documentação do veículo e negar-se a permitir acesso a seu telefone custou a um trabalhador uma sova, como se numa arena dos tempos de antanho, e não foi diferente o “prêmio” que uma senhora de 73 anos de idade recebeu pela ousadia de reclamar do que faziam com um neto seu, para depois ser conduzida, algemada e presa, a uma delegacia de polícia.
O registro? Os policiais teriam agido em “legítima defesa”. Nem precisa ter estudado Direito para rir dessa desfaçatez. Afinal, quem estava a defender-se ali não eram os que chutaram, bateram, aplicaram golpes de luta livre e provocaram ferimento que exigiu sutura.
Há poucos dias, outra guarnição de seis ou oito policiais fez parar sobre uma ponte um motoqueiro, que parece não ter concordado tão mansamente quanto desejado com o tratamento que lhe davam cuidadosos “agentes da lei”. Houve murros, também pontapés, mas dessa vez a desumanidade atingiu o ápice (se é que existe para esses leões) e, sem esperar, o “perigoso” trabalhador foi jogado da ponte, de uma altura superior a três metros, em um córrego de pouca profundidade. Assim mesmo, como alguns menos avisados jogam uma garrafinha de água pela janela do carro em via pública.
O socorro à vítima de gesto de tal bestialidade não foi feito por nenhum dos policiais, em ato de heroísmo ou de arrependimento, dando-se, em verdade, por moradores de rua que se recolhem sob a ponte que ali estavam e buscaram na água o jovem que os policiais haviam atirado e onde caíra de cabeça, ferindo o rosto e suportando fraturas várias. O infeliz homem foi levado a um pronto atendimento e depois para outra Unidade de saúde onde se lhe pudesse corrigir, infelizmente sem êxito, os golpes e os graves problemas ortopédicos herdados de tamanha barbárie.
A garantia da lei e da ordem, aí, foi resumida em registro de legítima defesa, mesmo que as agressões se tivessem restringido a palavras. Ouvido por autoridade superior, o lançador de homens do alto da ponte afirmou que, em verdade, só pretendia jogá-lo ao chão, como se fosse crível o descaramento de negar a existência de uma mureta que se exige para toda via dessa espécie.
Ainda na pauliceia, já dita desvairada, sempre encantadora, um jovem furtou de um supermercado sacos com sabão em pó, o que teria sido visto por um policial que nem de serviço estava. Ao fugir, o “perigoso ladrão” ainda conseguiu livrar-se de queda que um escorregão lhe proporcionara, à porta da loja, mas logrou correr até quando o “zeloso policial” o atingiu, nas costas, pelas costas, com onze tiros. Depois, afirmou o assassino haver agido em legítima defesa.
Fico eu a pensar, daqui deste canto, como justificativas assim devem arrepiar professores de Direito Penal.
Na Bahia de Caymi e Gil, de Gal e Caetano, de Betânia e de meu pai, um cuidadoso policial, ciente de seus deveres e de sua alta responsabilidade na defesa da sociedade, da vida, do patrimônio e de tudo o mais, jogou ao chão dois jovens para em seguida desferir contra ambos doze tiros da arma que portava exatamente por ser pago pelo Estado para impedir, para coibir, para prevenir o que fez. O resultado? Um no hospital, em unidade de tratamento intensivo, inspirando cuidados, com risco de morte, outro morto ali mesmo, caído na calçada, de bruços, indefeso, incapaz de qualquer reação.
Numa estação de metrô, uma discussão se instaurou por problema relativo a bilhetagem e um dos contendores foi levado ao chão, por perícia de agentes de segurança bem treinados e, ato contínuo, surrado com chutes à solta e imobilizado com um pesado joelho sobre as costas até que lhe fugiu inteiramente o ar e sumiu sua capacidade de respirar. O registro da ocorrência cuidou da mesma excludente de crime, legítima defesa, e o cidadão cuja reanimação tentada no próprio lugar do ato resultou inútil, chegou a ser levado a um hospital mas ali já entrou sem vida. O laudo pericial atestou morte por asfixia, à maneira de como aconteceu com o americano que teve seu pescoço submetido a um joelho Alberto, igualmente de São Paulo, morto à porta de um supermercado confundido com um ladrão.
Essas bestas humanas, se é que merecem a fidalguia do tratamento, não representam, todos sabemos, a Instituição que integram, onde militam heróis de todos os dias, que expõem as próprias vidas em embates com perigosos bandidos, sobretudo em grandes cidades, e que aplicam com o rigor necessário, o quanto aprendem em cursos de formação e de permanente atualização para cuidar da segurança de quem, com impostos até desmedidos, os remunera.
Indispensável, entretanto, que os governos ajam com presteza e vigor para fazer valer a lei e, respeitadas as garantias do ordenamento legal, expulse das corporações essas ervas daninhas que, eles sim, precisam guardar os xadrezes de preferência por tempo que lhes permita, se puder acontecer, o reconhecimento de sua própria bestialidade.
Nenhum desses trogloditas é da Polícia que queremos e que merecemos.