Marco Temporal
Desde o último dia 25, estão reunidas e em estado de alerta, conscientes dos ataques aos direitos dos povos indígenas no Brasil, diversas instituições em Ato Inter-Religioso, concomitantemente realizado na frente do Supremo Tribunal Federal (STF) e em frente ao Tribunal da Paz, em Haia, na Holanda – Corte Internacional de Justiça, que entrou em vigor, em 2002, e tem jurisdição em 123 países. O Tribunal da Paz propõe-se a julgar denúncias de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Após os ataques racistas aos povos indígenas, na última quarta-feira, o julgamento do Marco Temporal, foi adiado mais uma vez, nesta quinta-feira, para o próximo dia 08 de setembro. Com status de repercussão geral, a decisão do julgamento do Marco Temporal servirá de diretriz para a gestão federal e para todas as instâncias na Justiça, no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios em todo o país. A tese do Marco Temporal é defendida por ruralistas e defende que os povos indígenas tem direito apenas às terras ocupadas a partir da promulgação de 1988.
O julgamento nesta quinta-feira não teve voto de nenhum ministro ainda, mas o procurador geral da república, Augusto Aras, se manifestou a favor dos povos indígenas. Cerca de 1000 indígenas seguem aguardando o julgamento. O Acampamento Terra Livre (ATL) permanecerá montado, dando início, no próximo dia 07 de setembro à Marcha das Mulheres.
Há previsões de que haja pedidos de vista por alguns ministros. Neste caso, possivelmente, a decisão sobre as Terras Indígenas no Brasil poderá acabar nas mãos do Congresso. Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 490/2007, que impõe na legislação a tese do marco temporal. O PL 490 prevê a abertura dos territórios para exploração de projetos, e permite, dentre outras coisas, o contato com indígenas isolados.
Considerado o julgamento do século, o Recurso Extraordinário 1.017.365, que tramita no STF, pode impactar a vida de milhares de indígenas. É um pedido de reintegração de posse movido pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA) contra a Funai e indígenas do povo La Klãnô-Xokleng. A terra em disputa é parte do território Ibirama – La klãnõ (TI Ibirana-La Klânõ), que foi reduzido ao longo do século XX.
Os indígenas nunca deixaram de reivindicar a área, que foi identificada pelos estudos antropológicos da Funai, e declarada pelo Ministério da Justiça, como parte de sua terra tradicional. Esta é a maior mobilização da história do movimento indígena, mais de seis mil indígenas estiveram reunidos em frente ao STF, onde entoaram cantos e chacoalharam seus mbaracás, pintados e ornados, numa programação de articulações políticas e conexões espirituais, para fortalecer a luta por seus direitos.
Caciques, cacicas, lideranças parlamentares, e as coordenações das organizações indígenas mobilizaram dias inteiros de reflexões e avaliações, seguidas de agenda internacional de denúncias, com a presença de comitiva internacional e reuniões em embaixadas.
Participaram do Ato Inter-Religioso em apoio aos povos indígenas no Brasil, a Iniciativa das Religiões Unidas (URI), a Igreja do Centro Eclético da Fluente Luz Universal (Santo Daime), O Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil, o Comitê Distrital de Diversidade Religiosa (CDDR), e o Grupo Espiritualidades em Ação. As organizações religiosas manifestam-se contra o PL 490, que permanece com votação em data indefinida. “O PL 490 pode liberar totalmente a Amazônia para a mineração e a exploração madeireira”, afirma a dirigente do Iceflu, na Holanda, Irene Hadjidakis e acrescenta:
“Nossa mensagem é clara e urgente. A destruição das florestas tropicais coloca o nosso planeta em risco. Precisamos defender a terra, a vida e tudo o que é sagrado para o nosso planeta. Por isso, estamos reunidos, lideranças indígenas e pessoas de diversas tradições religiosas para celebração deste Ato Inter-Religioso, no Tribunal da Paz, em Haia. Esta ação teve conexão em tempo real com o Ato realizado em frente ao STF, em Brasília. Aproximadamente 150 pessoas estiveram reunidas em frente ao Palácio da Paz, sede da Corte Internacional de Justiça. O Ato Inter-Religioso foi transmitido em telão e pôde ser acompanhado em live com a participação do Brasil e do mundo.
O antropólogo, líder do Santo Daime, em Brasília, e membro do CDDR, Fernando La Roque, abriu o Ato em frente ao STF e chamou a atenção para a contradição que envolve a criação de um marco temporal a partir de 1988 para os povos originários e para a situação dos povos isolados. “Nós temos pelo menos sessenta referências de indígenas ainda em situação de isolamento, os chamados índios isolados, no Brasil, e como ficam esses povos? Não temos conhecimento deles, que são os povos mais vulneráveis e vamos conhece-los já com a determinação de que não tem direito ao seu território – que é uma noção cara, sagrada, importantíssima para o modo de vida das sociedades indígenas, a importância do território, da caça, enfim – é um profundo egoísmo do ser humano não dedicar parte do território aos povos originários, que habitam a terra se transmigrando desde tempos imemoriais. Como estabelecer um Marco Temporal para povos originários? Se são imemoriais, quer dizer, que sua origem se perde na memória dos tempos, então tem todo esse absurdo semântico”, explica.
O Conselho Nacional de Justiça abriu as portas para amplificar as vozes do movimento, em importante encontro que conectou ministros, juristas, advogados e lideranças indígenas. Para os manifestantes, se aprovado, o marco temporal desconsiderará o histórico de violência e retirada forçada de povos originários das suas terras de origem. Foram ouvidas as entidades que fazem parte do processo na sessão da tarde de quarta-feira.
A marcha dos povos indígenas, nos dois últimos dias teve como destino a concentração em frente ao prédio do STF, de onde acompanham a sessão, por um telão instalado pelo movimento. Na marcha, os indígenas ocuparam três faixas do Eixo Monumental, na via N1. Eles carregaram cartazes com frases como “Fora Bolsonaro” e “Nossa constituição não será rasgada”.