ANO NOVO

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Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

lourencodossantospereirabraga@hotmail.com

De janeiro a novembro, sempre  que se aproxima o final do mês – tempo de alegria efêmera para o trabalhador que precisa de extraordinário exercício que lhe garanta manter a si e aos seus, ainda que sem conseguir saldar com pontualidade todas as dívidas a que se obriga para sobreviver – falamos de tempo igual que está a chegar, mesmo no apressado fevereiro, que costuma despedir-se mais cedo e que às vezes tem o privilégio de comportar a maior festa popular do planeta, o carnaval brasileiro – do samba, do axé, do maracatu, do frevo, dos blocos, das escolas, dos desfiles, dos folguedos todos, bem elaborados ou não –  e então falamos do “mês que vem”.

Dezembro não é assim. Primeiro, os enfeites em ruas, praças e árvores que se fazem reluzentes para anunciar o Natal de Jesus, período em que a atividade comercial se expande e se fortalece, para troca de presentes ou para honrar a tradição do “bom velhinho”, e há encontro de almas, de abraços, até de sonhos.  Muitos são, provavelmente,  os que festejam com fé a lembrança da vinda ao mundo do Deus humano. Depois, a semana que se segue tem tradição de ser preparação não para o mês que vem, mas para novo ano. O último mês do calendário é, por especial, véspera de ano que começará. É tempo , pois, de magia própria.

Penso difícil haver quem fale, durante dezembro, do famoso e comum “mês que vem”, e é como se nos últimos 31 dias do ano todos nos preparássemos para vida nova, construindo ou reconstruindo sonhos e esperanças, redimensionando formas, meios e modos de vencer dificuldades, de superar obstáculos, até mesmo de crer no quanto se pode ser capaz de produzir, de fazer, de entregar, de refazer.

No dezembro passado terá sido assim e na noite do último dia, sob emoção forte, houve, por certo, preces de encorajamento para buscar o cumprimento de promessas, a realização de sonhos, a satisfação de desejos, a busca da benção para o fortalecimento interior. Terá havido, como fiz eu algumas vezes, intenção de abandonar o vício do fumo –  para contentamento de meu querido mestre Aristóteles Alencar – e, quem sabe, alguns dos promitentes terão alcançado o privilégio desejado.Outros, como se deu comigo até 2009, terão renovado o propósito em forma de pedido. E agora até há, principalmente entre jovens que se deixam atrair por modismos, os cigarros eletrônicos, que médicos têm alertado como de  maior potencial de dano e de perigo ao organismo humano.

E os que prometeram iniciar dieta e frequência a academia, com objetivo de emagrecimento, como estarão neste dezembro? A quantas andam suas brigas diárias com a famosa  e nem sempre amiga balança?

Terá sido assim, certamente, com o vício do jogo de azar, da bebida alcoólica, da droga que também escraviza, do famigerado “cachimbo assassino” que vem instituindo praças e lugares como seus e que servem para estampar, a olhos de quem quer ver – como se tem dado por aqui até no belo Largo de São Sebastião, que Robério restaurou e revitalizou para honra de nosso Teatro – a miséria humana que confunde o lixo moral com o físico e com o abandono, o esquecimento, a condenação. E tudo isso contribuindo para a formação de grupos sociais paralelos cada vez maiores e mais difíceis de ser controlados, alimentando-se da pobreza humana que incentivam e em cuja exploração  tornam-se craques.   Tomara que alguns tenham alcançado a graça da promessa que possam ter feito no dezembro que passou.

Em 2022, quando o mundo ainda recolhia o rescaldo do desastre provocado por pandemia que se sobrepôs ao Conhecimento, terá havido um dezembro em que muitos embalaram desejos novos de superação, de encanto, mas o correr dos dias que se sucederam trouxe para este canto do planeta, por exemplo, estiagem  não vista havia mais de século, exibindo rachada pela força do sol terra que há muito é leito de rio caudaloso que se embeleza com o trânsito de barcos, de canoas, e terá sido como se o universo amazônico empobrecesse à falta da arte do caboclo de levar adiante o dia, sentado na proa da igara em que conversa com o mundo, entoando com o remo sons maviosos de sinfonia única, pensando na mulher amada.  A água, barrenta ou negra que se fez distante, ausente, parece ter ajustado com o solo endurecido greve do plantio e o homem viu sumir sua agricultura e morrer o gado de sua pecuária, empobrecendo.  Até a palafita perdeu o sentido, fazendo feia a paisagem.

Muitos de nós teremos feito força de fé na paz entre os homens, e o correr dos dias, dos meses, fez certo que a estupidez da guerra venceu, na Rússia como na Ucrânia, a derramar sangue no leste europeu sem controle nem piedade, sem rumo nem motivo que não o fortalecimento de um poder que alguns se atribuem e matam para manter. E já depois da segunda metade do ano, a terra que um dia foi santa viu-se atacada e atacou, transformada em cenário de destruição e de morte. O chão guardou corpos de inocentes de diferentes tempos, crianças, adultos e idosos, e fez-se relicário da dor. Os mísseis, os drones, puseram-se a cruzar fronteiras, a queimar sonhos, a plantar o ódio inconfessável e incompreensível e o solo cobriu-se do sangue de justos. Também por aqui tivemos nosso desequilíbrio, a invasão e o ataque a prédios públicos de vigor histórico transformaram-se em condenação e prisão talvez desmedida pela força estatal.

Falando sobre isso, ouvi de um amigo que há guerras que se fazem para dar sustentação a indústria que se dedica a criar e produzir armas de destruição  coletiva mas que geram e asseguram muitos empregos, movimentando a roda da Economia. E me dei a pensar na incongruência humana da construção da morte para garantir vida melhor aos que asseguram a produção.

Ainda bem que estranha mania venezuelana de poder não  provocou reação semelhante, pelo menos até este findante dezembro,  não dando ensejo à reprodução de Malvinas em que nossos irmãos argentinos enfrentaram, não faz muito, a poderosa Inglaterra, que ali fizera possessão. Afinal, espero, o espírito beligerante de muitos não faz parte, por sorte, da índole dos que habitamos este lado do continente americano.

O correr dos dias que nos trouxeram até este dezembro prestes a encerrar-se também concedeu alegrias, conquistas, sucessos, como o de um jovem de apenas 10 anos de idade que se destacou em programa nacional de televisão por sua inteligência privilegiada e por incrível velocidade de raciocínio, vencendo adversários de centros mais adiantados do País. E agora, esse mesmo gênio mirim vem de ser aprovado em concurso que seleciona candidatos a diferentes cursos de nossa Universidade do Estado do Amazonas, cujo rigor é de todos conhecido.

O registro que aqui faço vai além da homenagem que a ele devemos todos e, tendo-o como símbolo,  destaca a valentia de muitos que, nos beiradões tradicionais e ao longo deste canto da bela Amazônia, enfrentaram com galhardia, coragem e determinação o desafio de fazer educação de verdade pisando o solo seco do leito de rio vazio, sem nem mesmo poder usar o remo como força motriz de seus deslocamentos.

Também tivemos conquistas inusitadas, Rebeca campeã do mundo e  nossos ginastas garantindo vagas nas olimpíadas que estão a vir,  o skate de nossa Fadinha, o surfe, o volei  de Gabi e de Darlan,  e não foi menor o êxito de nossos paratletas, que já fizeram do Brasil o maior vencedor de provas de diferentes modalidades, nas pistas frias do atletismo,  como nas águas das piscinas olímpicas do planeta.

 E se de vitórias cuido, neste já saudoso 2023, eis que ponho em relevo, propositadamente neste final de texto, extraordinário trabalho desenvolvido por especialistas em oncologia em laboratórios da Universidade de São Paulo, de tantas tradições, cujas pesquisas conduziram à produção de medicação que promove a cura de duas espécies de câncer de medula óssea. Isto está nas páginas oficiais daquela Instituição, que já autoriza a inclusão de pacientes indicados por médicos e acompanhados dos respectivos relatórios de desenvolvimento da doença no rol dos que, mercê da bondade divina, haverão de sarar.

Terminando dezembro com essa conquista para a Humanidade, eis que na noite do 31 muitos farão alvas suas vestes para saudar Iemanjá, a rainha das águas para os que assim creem, outros dobrarão os joelhos em templos tradicionais de diferentes seitas, muitos se encontrarão com os que lhes são próximos e dividirão sonhos, desejos e promessas. Também haverá os que manterão conversa muda com a divindade, guardando leitos de hospitais, de casas de repouso ou de recuperação, decerto  tomados de esperança. E se farão brindes nas estrelas.

No primeiro minuto do novo ano, estarei em oração pelos que se foram e por todos os meus que abraçarei com carinho extremo e, então,  pedirei ao Pai que me conceda a graça suprema de ser tomado pela mão por nosso extraordinário Arthur Gabriel,  entre nós o mais jovem do clã, para caminharmos juntos na construção do que virá.

Para receber o tempo novo, vista de branco seu espírito e plante a beleza da paz!

Feliz Ano Novo!

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Redação
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