Olhares do Norte – por Erikson Oliveira
A República que nasceu torta e o Império que tentava endireitar o Brasil
Reflexões sobre a herança da monarquia, o caos da segurança pública e o que perdemos desde 1889.
Em meio a inúmeras notícias sobre a operação policial no Rio de Janeiro para combater o crime organizado — que, diga-se de passagem, está tão organizado que já não se limita às terras cariocas, mas se espalha por todo o Brasil — resolvi voltar um pouco no tempo.
O Brasil nasceu monárquico, mas tornou-se uma república improvisada — e desde então parece nunca ter encontrado seu eixo. A cada crise institucional, ecoam fantasmas do passado, misturados a uma nostalgia mal resolvida por um tempo em que o poder parecia mais “organizado”. Mas será que realmente era?
Hoje, 135 anos depois da Proclamação da República, o Brasil parece ainda girar em torno das mesmas contradições. As instituições tentam se afirmar, mas a desigualdade, a corrupção e o patrimonialismo continuam sendo o alicerce invisível da política. Talvez o problema não tenha sido a mudança de regime — mas o fato de que trocamos a forma sem transformar o conteúdo.
O resultado é um país cansado de suas próprias promessas. Um Brasil que quer se modernizar, mas carrega no corpo o peso de séculos de improviso, herança e contradição.
Nosso país foi colonizado pelos europeus, em especial pela família imperial portuguesa. Para Portugal, o Brasil era o “fim do mundo”, e acabou servindo como uma espécie de calabouço ou penitenciária. Para cá, eram enviados os indesejáveis do reino: ladrões perigosos, prostitutas, assassinos, estupradores — enfim, todos aqueles que a corte queria ver banidos de sua convivência.
Com o passar dos anos, e com a chegada de Dom Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, conhecido como Dom Pedro I, e posteriormente de sua corte imperial, começaram a surgir leis, decretos e portarias tentando impor alguma ordem sobre a “baderna” já instalada.
Mas, mesmo com o esforço imperial, o país seguiu enfrentando desigualdades, abusos e um sistema de poder que, em muitos aspectos, ainda se repete — apenas com outros nomes e novos uniformes.
O que poucos reconhecem é que a monarquia brasileira, mesmo com suas limitações, foi o período em que o Brasil mais se aproximou de um projeto nacional sólido. Havia unidade territorial, respeito institucional e uma visão de país que foi perdida com o golpe republicano de 1889 — um rompimento abrupto, sem consulta ao povo e que lançou a nação em um ciclo de instabilidade que ecoa até hoje.
Assim como as figuras poderosas daquele tempo, a própria corte imperial foi tomada pela ganância pelo poder e pelo controle dos cofres públicos. Já na gestão de seu filho, o imperador Dom Pedro II, o Brasil enfrentou traições internas, corrupção e a ambição de aliados políticos e militares. O suborno já existia, a luxúria e a sede de parecer maior também. Quanto mais terras, escravos e aliados políticos alguém possuía, maior era sua influência. E assim surgiu a conspiração liderada pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, outrora amigo de Dom Pedro II, que acabou por trair o Imperador e proclamar a República — ato que selou o fim da monarquia e lançou o país em uma nova era de poder militar e interesses privados.
Desde então, o Brasil parece ter permanecido refém das mesmas práticas que derrubaram o Império. Mudaram-se os nomes, os cargos e as bandeiras, mas não o comportamento. O espírito de traição, a busca desenfreada por poder e o desprezo pelo bem comum continuam enraizados nas estruturas do Estado. O que antes se tramava nos salões do Paço, hoje se articula nos bastidores de Brasília. A diferença é que, sem a presença de um imperador que representasse a unidade nacional, passamos a viver sob governos efêmeros, interesses partidários e crises cíclicas — sintomas de uma República que nasceu torta e jamais se endireitou.
Apesar de parte da estatística nacional apontar para queda nos homicídios em anos recentes — por exemplo, em 2023 o país registrou cerca de 40.429 crimes letais intencionais, uma redução de aproximadamente 4,17% em relação ao ano anterior — a realidade cotidiana em muitas cidades brasileiras mostra o oposto: em uma pesquisa de abril de 2025, 58% dos brasileiros afirmaram que a criminalidade aumentou em sua localidade no último ano.
Os índices continuam alarmantes: em 2023, o Brasil teve 19,4 homicídios por 100 mil habitantes, e os crimes de rua, assaltos a transporte público, furtos armados e estupros seguem em alta. No mesmo ano, foram 6.393 mortes por intervenção policial (3,1 por 100 mil habitantes), e em São Paulo, as mortes cometidas por policiais em serviço aumentaram 78,5% entre janeiro e agosto de 2024.
No Rio de Janeiro, apenas nos três primeiros meses de 2025, foram registrados 1.052 assaltos a ônibus — um aumento de quase 30% em relação ao mesmo período de 2024. Em contrapartida, Manaus registrou redução de 29% nos roubos ao transporte coletivo entre janeiro e setembro de 2023, comparado ao mesmo período de 2022.
Mesmo com todo o aparato de segurança moderno — polícias militar e civil, forças armadas, inteligência, tecnologia e vigilância — o Brasil vive uma escalada de violência sem precedentes. Em 2024, o país contabilizou 44 mil mortes violentas, sendo 73% por arma de fogo; e, no mesmo período, registrou mais de 83 mil estupros, a maioria contra mulheres e crianças menores de 13 anos.
O contraste histórico é inevitável. No tempo de Dom Pedro II, o Brasil não contava com exércitos modernos nem sistemas de segurança sofisticados, mas tampouco enfrentava a proliferação urbana de facções, armas automáticas e a banalização da morte. O Império tinha seus desafios, mas não o caos moral que hoje nos cerca. É o retrato de uma República que prometeu progresso e liberdade, mas que entrega insegurança e decadência — um país que, desde que depôs seu Imperador, parece ter perdido não só a coroa, mas também o senso de ordem, dever e honra que um dia sustentou sua grandeza.
E, por fim, deixo aqui meus mais sinceros pêsames às esposas, aos filhos e a todos os familiares e amigos dos bravos homens e mulheres que saíram de seus lares, deixando seus entes queridos, para combater esse crime que se torna a cada dia mais audacioso e organizado — mais até do que o próprio Estado que deveria combatê-lo. Que o sacrifício desses heróis não seja em vão, e que um dia o Brasil reencontre o caminho da justiça, da coragem e da verdadeira grandeza.
Sobre o autor
Erikson Oliveira é Bacharel em Processos Gerenciais, Pós-Graduado em Administração Pública e Direito Previdenciário, Especialista em Gestão e Relatórios, e Técnico em Segurança do Trabalho.
Contato: oliveira.erikson@yahoo.com






