Matheus Garcia: da lama à consciência — o ativista social e ambiental que transformou a travessia da BR-319 e o lixo dos igarapés de Manaus em alerta ambiental

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Olhares do Norte – por Erikson Oliveira

Reflexões e opiniões de quem vive a Amazônia e observa o Brasil de um ângulo único.

Ao mostrar o que muitos ignoram — o lixo que sufoca os igarapés e as condições extremas da BR-319 — Matheus Garcia virou voz ativa na luta por consciência e responsabilidade ambiental na Amazônia.

Conhecido por suas postagens impactantes que expõem a poluição nos igarapés de Manaus, o ativista social e ambiental Matheus Garcia tem mobilizado a sociedade a refletir sobre os impactos do descarte irregular de lixo e a degradação dos rios da Amazônia. Além de seu ativismo ambiental, Matheus também percorreu os 885 quilômetros da BR-319, rodovia que liga Porto Velho a Manaus, enfrentando desafios extremos para registrar a situação real da estrada e da região que ela corta.

Nesta entrevista exclusiva para a coluna Olhares do Norte, Matheus fala sobre suas motivações, experiências e a importância de um olhar mais consciente sobre o meio ambiente.

1. Erikson Oliveira: Matheus, como surgiu sua motivação para começar a registrar e denunciar o lixo nos igarapés de Manaus?
Matheus Garcia: A iniciativa surgiu após uma visita ao Igarapé do Gigante, onde percebi a importância da preservação dos nossos igarapés. É um igarapé com a nascente preservada — o único existente em Manaus — e senti um chamado para olhar com mais carinho para essa questão. Meu sonho é que, no futuro, esses igarapés voltem a ser como antigamente.

2. Erikson Oliveira: Durante suas publicações, você tem mostrado cenas fortes que chocam as redes sociais. O que mais te impressionou ao longo dessas visitas?
Matheus Garcia: Uma coisa que me marcou muito foi que, na primeira ação em um igarapé, a população que vive nas margens do Tarumã — e que também participou da ação — disse claramente que estaríamos limpando em um final de semana e, no próximo, haveria a mesma quantidade de lixo. Esses resíduos acabam chegando ali vindos de diversas partes da cidade. Para muitos, esse tipo de ação é como “enxugar gelo”. Para mim, é uma forma de conscientizar a população sobre os malefícios do descarte incorreto e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para a inércia do poder público em relação a essa questão. Se cada um fizer a sua parte, teremos uma cidade mais limpa e melhor para se viver.

3. Erikson Oliveira: Quais são os principais tipos de lixo encontrados nesses locais e de onde acredita que vem a maior parte desse descarte?
Matheus Garcia: A maior parte são garrafas PET. Em uma ação de limpeza em lixeira irregular, retiramos mais de 300 pneus. Acreditamos que o lixo vem, em grande parte, da própria população, que é privada de uma coleta feita de maneira correta e em tempo hábil. Não podemos culpar apenas a população, porque ninguém quer conviver com o lixo dentro de casa. Eu não quero. Por isso, reforço: o problema é a falta de gestão e a inércia do poder público.

4. Erikson Oliveira: Você acredita que as ações de limpeza e conscientização realizadas em Manaus têm sido suficientes para mudar esse cenário?
Matheus Garcia: Acredito que é um começo. Ninguém faz nada sozinho, e eu estou fazendo a minha parte. Na nossa última ação em Manaus, contamos com mais de 200 voluntários. Aos poucos, estamos mudando o cenário.

5. Erikson Oliveira: Recentemente, você também percorreu os 885 km da BR-319, enfrentando desafios intensos. O que te motivou a encarar essa jornada?
Matheus Garcia: A BR-319 não é um sonho novo. Ela nasceu nos anos 70 como a única ligação entre Manaus e o restante do Brasil, conectando nossa capital a Porto Velho. Foi um projeto estratégico, mas ao longo das décadas sofreu com abandono, falta de manutenção e esquecimento. Hoje, mais de 40 anos depois, continuamos reféns de uma estrada que existe no mapa, mas que na prática é lama, atolamento e isolamento. Quando a estrada funciona — mesmo que por poucos meses no verão — tudo muda: o frete barateia, o remédio chega mais rápido, o produtor rural consegue escoar a produção e a Zona Franca de Manaus se torna mais competitiva. Mas, no restante do ano, voltamos a depender de barcos e aviões, pagando caro para ter acesso ao básico que qualquer brasileiro em outras regiões já tem garantido.

O debate não é mais se a estrada deve existir, porque ela já existe. O debate é se vamos reconstruí-la com responsabilidade. Uma estrada planejada, fiscalizada e moderna pode ser aliada da própria floresta — onde o Estado chega, chega também a fiscalização, o combate ao desmatamento ilegal e a resposta rápida a incêndios criminosos.

Mas o ponto mais importante é a nossa gente. A BR-319 não é só logística: é dignidade. Significa o direito de visitar a família, estudar, trabalhar e passear de carro no fim de semana como qualquer outro brasileiro. A Constituição garante o lazer como direito social, e nós também temos direito a ele. Foi isso que me moveu a fazer essa travessia e registrar o documentário Vidas na Lama.

Nele, mostramos a realidade de quem ficou invisível, atolado na estrada e esquecido pelo país. Esse documentário não é pró nem contra governo — é pró-pessoa, pró-Amazonas e pró-Brasil. O formato documental foi a maneira que encontramos de pegar um tema que há décadas é uma problemática no Amazonas e conectar com a nossa geração. Queremos que as pessoas consumam política, reflitam e conversem sobre ela. Esse é o motivo pelo qual decidimos fazer o documentário: para que mais pessoas falem, escutem e entendam o que significa ter uma estrada com infraestrutura consolidada ligando o Amazonas ao restante do país.

6. Erikson Oliveira: Quais foram as principais dificuldades encontradas na estrada e o que essa experiência te revelou sobre a Amazônia e o abandono da infraestrutura?
Matheus Garcia: Quando chegamos ao trecho do meio — o mais precário, sem asfalto, só lama e buracos — começou a chover. A sensação era de estar sobre uma lona ensaboada. O carro escorregava o tempo todo, e não podíamos passar de 50 km/h. Mesmo assim, acabamos sofrendo um acidente: o carro girou e saímos da pista, caindo no mato. Não há fiscalização, pontos de apoio ou presença da Polícia Rodoviária Federal. Fomos socorridos por pessoas que passavam ali e arriscavam suas próprias vidas.

Depois do acidente, conhecemos uma comunidade à beira da estrada. Lá, tudo é barro, e as pessoas já se acostumaram com isso. Conversei com uma mulher em um hotel de beira de estrada; eu estava coberto de lama até a metade das pernas. Ela me disse algo que nunca esqueci: “Meu filho, eu até prefiro essa lama, porque quando seca e o sol está forte, vira poeira. A poeira entra no carro, nos quartos, nas roupas e estraga tudo.”

Foi por causa dessa fala e de tantas outras que o documentário recebeu o nome BR-319: Vidas na Lama. Queremos mostrar a realidade e dar voz a quem vive e depende da estrada, mas é esquecido pelo país.

7. Erikson Oliveira: Há uma ligação entre o que você presenciou na BR-319 e o que vê nos igarapés de Manaus?
Matheus Garcia: Sim. Tanto na estrada quanto nos igarapés, vemos a falta de vontade e de gestão eficaz por parte do poder público.

8. Erikson Oliveira: Como a população e o poder público poderiam agir de forma mais eficaz para combater o lixo e preservar os rios e florestas da região?
Matheus Garcia: Uma boa iniciativa seria introduzir a educação ambiental nas escolas. Assim, a população aprenderia desde cedo sobre os malefícios do descarte incorreto. Claro que apenas isso, no momento atual, não é suficiente — mas é um bom começo.

9. Erikson Oliveira: Seu trabalho ganhou grande repercussão nas redes. Você já enfrentou resistência, ameaças ou dificuldades por causa das denúncias que faz?
Matheus Garcia: Até o momento, não. Essa jornada tem sido tranquila. Comentários maldosos sempre vão existir, mas o que me move é saber que meu trabalho faz diferença na vida das pessoas.

10. Erikson Oliveira: Quais são seus próximos projetos e o que podemos esperar das próximas postagens e ações?
Matheus Garcia: Estamos desenvolvendo brinquedos artesanais feitos com filamentos reciclados, produzidos a partir de garrafas PET recolhidas nas nossas ações. É uma iniciativa que une sustentabilidade e tecnologia.

Sobre o autor

Erikson Oliveira é Bacharel em Processos Gerenciais, Pós-Graduado em Administração Pública e Direito Previdenciário, Especialista em Gestão e Relatórios, e Técnico em Segurança do Trabalho.

Contato: oliveira.erikson@yahoo.com

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Redação
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